CELEBRAÇÃO, REFLEXÃO E CONSCIENTIZAÇÃO: Dia Internacional da Mulher e a realidade da Pobreza Menstrual

08 / 03 / 2024
Saúde & Bem-estar, Saúde Mental e Sexualidade
Por Marina Giuliani da Costa

Hoje, celebramos o Dia Internacional da Mulher, uma ocasião que nos convida a reconhecer e honrar as conquistas históricas das mulheres em todo o mundo. Desde as lutas por direitos civis e políticos até os avanços nas esferas da ciência, cultura e economia, esse é um momento para celebrar a força e a resiliência feminina na busca por igualdade de gênero, justiça e dignidade. Neste dia tão importante, parabenizamos todas as mulheres por sua bravura, determinação e contribuições inestimáveis para a sociedade.

No entanto, ainda há desafios significativos a serem superados. Entre eles está a pobreza menstrual que, apesar de afetar milhões de mulheres globalmente, ainda permanece envolto em tabus e estigmas. A menstruação é um processo natural, mas muitas das pessoas que menstruam sofrem com a falta de acesso a produtos de higiene menstrual e a informações sobre saúde menstrual, a estigmatização cultural e os desafios socioeconômicos. Em meio aos avanços sociais, econômicos e políticos, é doloroso reconhecer as barreiras relacionadas à dignidade menstrual.

Embora pareça uma questão pessoal e íntima, a menstruação e suas ramificações transcendem a esfera privada, emergindo como uma questão de saúde pública e direitos humanos com dimensões sociais, econômicas e políticas. O simples ato de menstruar pode se tornar uma experiência vergonhosa, constrangedora ou até mesmo degradante que impacta a saúde, educação, trabalho, oportunidades e bem-estar geral.

Se você considera este tópico insignificante ou não percebe como algo digno da nossa atenção enquanto sociedade civil, te convidamos a explorar conosco os múltiplos aspectos que permeiam a dignidade menstrual.

Dignidade menstrual: Um direito humano e uma questão de saúde pública

Mulheres representam metade da população mundial e 51% da população brasileira. 1,3 bilhão de pessoas vivem em situação de pobreza, sendo ass minorias étnicas e as mulheres os mais afetados. No Brasil, o índice de pobreza infelizmente ainda representa 31,6% da população. Quando falamos de mulheres negras ou pardas, esse percentual sobe para 41,3%. É nesse cenário que o debate sobre a pobreza menstrual se situa. -.

Aproximadamente 12,8% das pessoas que menstruam vivem em situação de pobreza menstrual (JORNAL DA USP, 2023). Esse fenômeno é uma realidade global que afeta mulheres que enfrentam condições de vulnerabilidade, como aqueles que vivenciam a pobreza, a falta de moradia, condições de privação de liberdade e situação de refúgio. 

A pobreza menstrual resulta da falta de recursos básicos, infraestrutura adequada e conhecimento necessário para lidar com a menstruação de forma digna e saudável. Os recursos básicos incluem itens como absorventes ou coletores menstruais, sabonetes, água e papel higiênico, enquanto a infraestrutura adequada abrange banheiros seguros e bem conservados, saneamento básico e sistemas de coleta de lixo eficazes. Além disso, a falta de informação e os tabus e preconceitos sociais relacionados à menstruação contribuem para a perpetuação dessa situação.

As causas da pobreza menstrual estão enraizadas na desigualdade social. As pessoas mais afetadas por esse problema são aquelas que não têm recursos financeiros para adquirir os itens de higiene necessários, que vivem em comunidades carentes sem acesso a infraestrutura adequada ou que enfrentam barreiras culturais que dificultam o acesso à informação sobre saúde menstrual.

Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece o acesso à higiene menstrual como um direito humano e uma questão de saúde pública. A dignidade menstrual é, portanto, um direito básico e universal de todas as pessoas menstruantes de ter acesso a recursos, informações e condições necessárias para gerenciar sua menstruação de maneira saudável, segura, higiênica e com respeito à sua dignidade pessoal.

Felizmente, o compromisso internacional com a promoção da dignidade menstrual tem crescido, levando a um aumento da visibilidade desse tema nos debates públicos. Isso tem sido impulsionado pelo envolvimento de diversos atores, incluindo pesquisadores, organizações da sociedade civil e o terceiro setor, que trabalham em prol da conscientização do problema e da busca por soluções eficazes.

A Pobreza menstrual e suas consequências

A pobreza menstrual tem repercussões significativas na vida das pessoas que menstruam, incluindo impactos sociais, psicológicos e na saúde íntima.

Exclusão social e estigma

A falta de acesso adequado à higiene menstrual pode levar à exclusão social e à estigmatização, impedindo a participação plena na sociedade e nas atividades cotidianas, como a escola, o trabalho ou atividades sociais. 

Pense que uma mulher com um fluxo menstrual intenso precisa trocar de absorvente a cada 20 minutos. Isso impacta diretamente suas atividades de lazer, estudo ou trabalho, podendo paralisar sua vida durante aquela semana em que está menstruada.

A pobreza menstrual leva a faltas nas escolas, a ausências nas atividades de socialização e a dificuldades para manter empregos e comparecer ao trabalho. Essa realidade prejudica a educação e a economia, pois força indivíduos a abandonarem seus empregos ou interromperem sua educação, assim como afeta o seu potencial de consumo em atividades sociais e de lazer. Os impactos sociais da pobreza menstrual comprometem o acesso à educação e o potencial econômico, contribuindo em algum grau para a perpetuação de ciclos de pobreza e desigualdades sociais e de gênero.

Para exemplificar essa situação, podemos nos aprofundar nas ausências escolares causadas pela falta de dignidade menstrual. Para começar, sabemos por dados da ONU que uma em cada dez meninas faltam à escola durante o período menstrual, com essa situação se agravando no Brasil, onde uma em cada quatro enfrenta essa realidade (AGÊNCIA SENADO, 2021).

Considerando que a primeira menstruação da maioria das meninas brasileiras acontece entre os 11 e 15 anos, concluímos que elas passaram  grande parte de sua vida escolar menstruando. Isso resulta em até 45 dias de ausência escolar por ano letivo, conforme indicado pelo levantamento “Impacto da Pobreza Menstrual no Brasil”, realizado pela marca de absorvente Always em parceria com a Toluna.

As razões para as ausências escolares variam desde dificuldades de acesso a itens de higiene menstrual até a inadequação das infraestruturas escolares e os danos psicológicos decorrentes de bullying.

Segundo um relatório elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas em conjunto com o UNICEF, aproximadamente 321 mil meninas frequentam escolas sem banheiros em condições adequadas de uso. Além disso, entre as 60 milhões de pessoas que menstruam no país, cerca de 15 milhões não têm acesso a produtos adequados de higiene menstrual.

O ambiente escolar muitas vezes se mostra hostil para estudantes no período menstrual. Devido ao estágio de desenvolvimento em que as estudantes se encontram, os ciclos menstruais tendem a ser irregulares, podendo resultar em fluxos de sangue inesperados, ocasionando manchas na roupa e sujeitando-as a comentários maldosos e preconceituosos, uma situação estigmatizante que incorre em traumas e quadros danosos à saúde mental. Já a ausência de banheiros em condições de uso, a falta de pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão tornam o ambiente escolar inadequado para atender às necessidades básicas das estudantes que menstruam. Nesse contexto, a opção por faltar às aulas é justificada pela falta de condições adequadas para lidar com a menstruação.

A falta de recursos para adquirir itens básicos de sobrevivência coloca adolescentes em uma posição particularmente vulnerável diante da precariedade menstrual. Muitas delas dependem dos pais ou familiares para a compra de absorventes, porém, devido à escassez de recursos financeiros, esses produtos são considerados supérfluos. 

A situação se agrava quando se considera que muitas dessas meninas também enfrentam precariedade em suas residências. Aproximadamente 713 mil meninas não têm acesso a nenhum banheiro em suas casas, enquanto outras 632 mil vivem sem banheiro de uso comum em suas propriedades (AGÊNCIA SENADO, 2021). 

A falta de acesso a condições básicas de higiene menstrual não apenas afeta o desempenho escolar das estudantes, limitando seu potencial de desenvolvimento na vida adulta, mas também perpetua desigualdades de gênero e sociais, tornando a menstruação mais um fator de exclusão e marginalização.

Os desafios para a saúde mental

Os entraves da pobreza menstrual permeiam a saúde mental e o bem-estar emocional das mulheres. Preocupações com vazamentos de sangue, dificuldade para dormir, restrição de exercícios físicos e perda de atividades recreativas e cotidianas comprometem seu bem-estar, desenvolvimento e oportunidades. Esse compilado de obstáculos provoca desconforto, insegurança e estresse, contribuindo para a ampliação da discriminação enfrentada por mulheres. Esses desafios também resultam na redução da concentração e da produtividade, impactando o desempenho acadêmico e profissional. 

De modo geral, os impactos psicológicos da pobreza menstrual exacerbam as desigualdades de gênero e prejudicam a autoestima e o estado mental das mulheres, restringindo o seu potencial de desenvolvimento e participação plena na sociedade.

Riscos e complicações na saúde íntima

A escassez de conhecimento e informação sobre a menstruação leva à falta de buscas por assistência médica e ao desconhecimento do funcionamento do próprio corpo. Uma pesquisa conduzida pela FEBRASGO em parceria com o Datafolha revelou que 4 milhões de mulheres no Brasil nunca consultaram um ginecologista, enquanto 16,2 milhões não realizam exames com esse especialista há mais de um ano, seja por vergonha, medo de diagnósticos ou simplesmente por desconforto.

A impossibilidade de adquirir os produtos apropriados para a higiene menstrual obriga muitas pessoas a recorrerem a alternativas precárias, como panos, pedaços de jornais, papel higiênico e até mesmo miolo de pão. O perigo associado ao uso de itens inadequados representa sérios riscos à saúde, incluindo infecções e lesões nos órgãos reprodutores femininos. O relatório da UNICEF aponta que o manejo inadequado da menstruação pode gerar alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais como a cistite e a candidíase, e até uma condição conhecida como Síndrome do Choque Tóxico, que pode levar à morte.

A carência de cuidados adequados não só prejudica a saúde reprodutiva feminina, mas também amplifica os riscos de infecções graves e até mesmo fatais. Esses problemas se configuram como uma violação dos direitos humanos e uma barreira significativa para o bem-estar e o desenvolvimento das pessoas afetadas.

Alcançando a dignidade menstrual: Desafios e oportunidades

A pobreza menstrual é um problema de caráter socioeconômico com dimensões complexas e multifacetadas que impacta a vida de milhares de pessoas ao redor do mundo. 

Para alcançar a dignidade menstrual, as políticas públicas precisam de uma abordagem abrangente que contemple não apenas o acesso a itens de higiene menstrual, mas também a educação menstrual, o acesso à informação, a garantia de um sistema de saúde de qualidade, o saneamento básico, o investimento em infraestrutura escolar e a implementação de programas sociais que toquem nessa problemática.

Recentemente, tivemos um avanço em relação à dignidade menstrual. Como parte do Programa de Proteção e Promoção da Saúde e Dignidade Menstrual do governo federal, mais de 31 mil farmácias credenciadas pelo programa Farmácia Popular em todo o país estão disponibilizando absorventes gratuitos para a população em situação de vulnerabilidade social.

Para ter direito ao benefício, as pessoas precisam ter entre 10 e 49 anos (considerado como o período fértil) e serem cadastradas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal. Além disso, é necessário estar em uma das seguintes situações: estar em extrema vulnerabilidade social, com uma renda familiar mensal de até R$ 218,00 por pessoa; ser estudante de escola pública e de baixa renda, com renda familiar de até meio salário mínimo; ou estar em situação de rua.

O processo para retirar os absorventes é simples e direto: basta apresentar a autorização emitida no aplicativo Meu SUS Digital, juntamente com um documento de identidade com foto. Para aqueles que enfrentarem dificuldades em gerar o documento pelo aplicativo, é possível buscar orientação em Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou em equipamentos de assistência social, como os Centros de Referência em Assistência Social (Cras), Centros Pop ou equipes do Consultório na Rua. 

Essa ação do SUS representa um passo significativo no combate à pobreza menstrual, porém, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a plena dignidade menstrual.

Conclusão

Ausências escolares, dificuldades no ambiente de trabalho e o risco de complicações de saúde são apenas alguns dos desafios enfrentados por aqueles que sofrem de pobreza menstrual. Como uma empresa composta predominantemente por mulheres, a Dermapelle reconhece a gravidade desse assunto e a importância de abordá-lo para conscientizar e pautar-se em dados. 

A pobreza menstrual não é apenas uma questão de falta de acesso a produtos básicos de higiene. Ela é um sintoma gritante de desigualdade socioeconômica e de falhas sistêmicas que deixam muitas pessoas vulneráveis à marginalização e à negação de seus direitos básicos.

Quando uma mulher não tem os recursos necessários para cuidar adequadamente de sua menstruação, enfrenta riscos à saúde e impactos emocionais e psicológicos, que prejudicam sua autoestima e bem-estar. Quando elas são impedidas de participar plenamente da educação, do trabalho e da vida social devido à pobreza menstrual, suas oportunidades de empoderamento e realização pessoal são minadas, perpetuando o ciclo da pobreza.

Como empresa comprometida com a responsabilidade social, é nosso dever conscientizar sobre a importância da dignidade menstrual. Devemos trabalhar juntas para quebrar o tabu em torno da menstruação, porque, somente munida de informação, a sociedade civil pode reconhecer a importância de certos debates para então exigir ações concretas na esfera política. É através de esforços coletivos e de uma abordagem inclusiva que podemos alcançar uma sociedade onde todas as mulheres tenham o direito de viver com dignidade e respeito.

Referências

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS IBGE. Pobreza cai para 31,6% da população em 2022, após alcançar 36,7% em 2021. 2023. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38545-pobreza-cai-para-31-6-da-populacao-em-2022-apos-alcancar-36-7-em-2021. Acesso em: 06 mar. 2024.

AGÊNCIA SENADO. O que é pobreza menstrual e por que ela afasta estudantes das escolas. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que-ela-afasta-estudantes-das-escolas. Acesso em: 06 mar. 2024.

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GUIA DO ESTUDANTE. O que é pobreza menstrual e como ela afeta a sociedade. 2022. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/o-que-e-pobreza-menstrual-e-como-ela-afeta-a-sociedade. Acesso em: 06 mar. 2024.

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JORNAL DA USP. Novas políticas públicas precisam de um olhar abrangente para solucionar a pobreza menstrual. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/novas-politicas-publicas-precisam-de-um-olhar-abrangente-para-solucionar-a-pobreza-menstrual/. Acesso em: 06 mar. 2024.

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